segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

O Espaço português - a consolidação de um reino cristão Ibérico.

A FIXAÇÃO DO TERRITÓRIO – DE D. AFONSO HENRIQUES A D. AFONSO III

Com origem no primitivo Condado Portucalense, o reino de Portugal autonomizou-se da restante península no século XII, graças à acção tenaz e empenhada de D. Afonso Henriques (1109?-1185). Logo em 1128, o jovem príncipe mostrou as suas ambições ao derrotar as tropas de sua mãe, D. Teresa, na batalha de São Mamede, e assumir, de imediato, o governo do Condado Portucalense. Depois vieram as peripécias da sua luta contra o primo Afonso Raimundes, rei-imperador de Leão e Castela com o nome de Afonso VII. O Acordo de Tui, celebrado em 1137, lembrava a Afonso Henriques os seus deveres vassálicos de fidelidade, segurança, auxílio militar e conselho para com Afonso VII, seu suserano. Pouco durou. Logo em 1140, o insubmisso Afonso Henriques invadiu a Galiza e Afonso VII retaliou, entrando hostilmente em terras portucalenses. A paz definitiva só chegaria, contudo, em Outubro de 1143, na Conferência de Zamora, quando Afonso VII reconheceu a Afonso Henriques o título de rex, que ele, aliás, orgulhosamente ostentava desde 1139; mas, uma vez mais, a condição de vassalo de Afonso Henriques era reiterada. Decidido a pôr cobro a tal sujeição, Afonso Henriques procurou o reconhecimento do seu título e do seu reino perante o chefe máximo da Cristandade: o Papa. Em 1142, dispôs livremente do território portucalense, que encomendou à Santa Sé e a quem prometeu um tributo anual em ouro. Em 1179, finalmente, o papa Alexandre III reconheceu, através da bula Manifestis Probatum, Afonso Henriques como rei e Portugal como reino independente. A independência de Portugal configurou, portanto, um acto típico de rebeldia feudal. Como seria de esperar num tempo marcado pelos conflitos entre reis e senhores, ávidos uns e outros de terra, privilégios, poder! Mas também é verdade que tal acto teve a seu favor um contexto político, militar e religioso favorável: a Reconquista cristã da Península Ibérica aos Muçulmanos. De facto, foi no contexto da Reconquista que os monarcas cristãos da Península Ibérica — das Astúrias a Leão e Castela, de Navarra a Aragão e a Portugal — alargaram, durante séculos, o território dos seus remos, definiram fronteiras, consolidaram autonomias e fortaleceram os seus poderes.
D. Afonso Henriques não foi excepção. Não satisfeito com as fronteiras do condado que arrebatara a sua mãe e transformaria em reino, expandiu-lhe o território. Consolidou o domínio da linha do Tejo, com as conquistas de Santarém e Lisboa em 1147. Em 1158, firmou a presença portuguesa na linha do Sado com a conquista de Alcácer do Sal. Em 1162 e 1165, Beja e Évora, respectivamente, caíram em mãos dos Portugueses. Em 1185, morreu Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, a quem a História chamaria o Conquistador. Entre avanços e recuos, a Reconquista do reino de Portugal prosseguiu durante aproximadamente mais um século. D. Sancho 1 rei de
1185 a 1211, mostrou-se, tal como seu pai, um grande chefe guerreiro, apesar de ter sido menos feliz. A sul do Tejo perderam todas as posições, à excepção de Évora. Já D. Afonso II, rei de 1211 a 1223, revelou-se um monarca de acção militar inferior, tão absorvido que esteve na organização da administração e na consolidação do poder real. Com D. Sancho II, rei de 1223 a 1245, a fronteira portuguesa avança vitoriosamente no Alentejo, beneficiando da tomada leonesa das cidades muçulmanas de Cáceres, Mérida e Badajoz. Do seu reinado datam as conquistas de Elvas, Jurumenha, Serpa, Moura, Beja, Aljustrel e Mértola, revestindo-se esta de um significado particularmente especial por se tratar de um afamado centro muçulmano. Entre 1234 e 1238, a soberania portuguesa chegou ao Algarve oriental. Foi no reinado de D. Afonso III (1248-1279) que, através de uma campanha fulgurante, se concluiu a conquista do Algarve. Em Março de 1249, o monarca apoderou-se do enclave isolado que os muçulmanos ainda detinham no Algarve. O Norte cristão anexava para sempre o Sul islâmico e a Reconquista portuguesa chegava ao fim.

DO TERMO DA RECONQUISTA AO ESTABELECIMENTO E FORTALECIMENTO DE FRONTEIRAS

Porém, quase meio século haveria de decorrer entre o termo da Reconquista (1249) e o estabelecimento definitivo das fronteiras portuguesas (1297). Com Leão e Castela outra luta se travaria. Em 1252, Afonso X de Leio e Castela, acabado de chegar ao trono, reivindicou o ex-reino algarvio de Niebla (onde se incluía Silves), alegando que a sua soberania lhe havia sido cedida pelo respectivo rei mouro. Pelo Tratado de Alcanises, celebrado em 1297, entre D. Dinis e Fernando IV de Castela, ao mesmo tempo que se projectavam casamentos reais e uma paz de 40 anos baseada na «amizade e defesa mútuas», fixavam-se os limites territoriais dos dois remos hispânicos. Com pequenas excepções, o território português adquiria a sua configuração definitiva, o que faz de Portugal o Estado europeu com as fronteiras mais antigas e estáveis.

O CARÁCTER POLÍTICO E RELIGIOSO DA RECONQUISTA

Referimos, há pouco, o carácter político da Reconquista, que serviu aos monarcas ibéricos de meio de afirmação e engrandecimento. Aliás, logo em 718-22, quando se inicia, a Reconquista foi uma questão de sobrevivência política para o pequeno reino das Astúrias. Posteriormente, do século X em diante, os reis ibéricos passaram a considerar-se como os legítimos descendentes dos antigos monarcas visigóticos, cujo reino os invasores muçulmanos tinham usurpado em 711. Toda a terra que ganhavam mais não era do que a recuperação de algo que legitimamente lhes pertencia. Este pensamento viria a ser comum entre os reis de Portugal. Desde finais do século XI, os aspectos religiosos adquirem um carácter mais vincado na luta que opôs os cristãos aos muçulmanos. A relativa tolerância, que parece ter existido e que era fruto de um convívio de quatro séculos, esvai-se perante o fanatismo religioso de almorávidas e almóadas, o qual fomenta, por sua vez, a radicalização dos cristãos. A Reconquista assume, então, contornos de guerra santa, merecedora de tanta consideração como as cruzadas à Palestina. A designação de cruzadas do Ocidente para a Reconquista peninsular confirma aquele facto. Foi assim que os reis peninsulares usufruíram de várias bulas papais que exortavam à expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica, concedendo indulgências aos que participavam na luta. Por várias vezes, os reis de Portugal puderam mesmo contar com a ajuda dos cruzados que estacionavam na nossa costa a caminho da Palestina: em 1147, para a conquista de Lisboa; em 1189, para a conquista de Alvor e Silves; em 1197, para nova tentativa de conquistar Silves; em 1217, na conquista definitiva de Alcácer do Sal. Para o fortalecimento do ideal de cruzada muito contribuíram, também, as ordens militares e religiosas introduzidas na Península no século XII: os Templários em 1128; os Hospitalários cerca de 1150; os monges de Calatrava e de Santiago cerca de 1170. Todos eles se revelaram auxiliares preciosos na conquista de terras alentejanas e algarvias, que tão bem defenderam e povoaram.


OS SENHORIOS – SUA ORIGEM, DETENTORES E LOCALIZAÇÃO

Tal como na Europa além-Pirenéus, o senhorio peninsular configurou uma área territorial, mais ou menos extensa e nem sempre contínua, cujo detentor — o senhor —, exercia poderes sobre a terra e sobre os homens que nela residiam. No caso português, os senhorios pertenciam ao rei — o chamado Dominus Rex (Senhor Rei) —, à nobreza e ao clero e a sua origem remonta à apropriação do território pelos cristãos. Denominou-se esta de presúria e mais não era do que a simples ocupação das terras consideradas vagas pela expulsão dos muçulmanos. Claro que a maioria dos territórios obtidos por presúria pertenciam ao rei. Chamavam-se reguengos e, com o tempo, viram-se reduzidos em virtude de amplas doações à nobreza e ao clero. Ocupar o território, recompensar serviços prestados e obter o favor divino foram os principais motivos que conduziram os nossos primeiros monarcas a alienarem significativas parcelas de propriedade territorial.
O Norte atlântico tornou-se a terra de eleição do senhorialismo nobre. Aí tiveram lugar as presúrias da fidalguia hispânica, reconhecíveis nos abundantes topónimos de origem germânica do Entre Douro e Minho (Leomil, Lalim, Roriz, Atães...). Aí também se exerceram os mais antigos cargos públicos, delegados pelos reis de Leão na nobreza condal. Tais cargos faziam-se acompanhar de dotações territoriais que os retribuíam; ambos eram conhecidos pelo nome de honores. Eis a origem do termo honras com que são, vulgarmente, designados os senhorios nobiliárquicos.

O clero constituiu outro protagonista do senhorialismo do Norte atlântico. Se os castelos, torres e solares expressam o poder nobre, os mosteiros e as sés são o símbolo do poder clerical. No Norte atlântico, sobressaíram as casas das ordens religiosas dos Beneditinos, tal como as sés de Braga e Porto. Outro mosteiro famoso foi o de S. Salvador de Grijó, a sul do rio Douro. Pertencia aos cónegos regrantes de Santo Agostinho. É costume designar de coutos os senhorios da Igreja. Tal se deve à sua origem. Criados por uma carta de couto, gozavam, perante o rei, de isenção judicial, fiscal e militar. Resultado de doações régias e de legados à hora da morte, da parte de nobres e até de populares, os bens fundiários da Igreja ultrapassavam, nos começos do século XIII, os de qualquer outro proprietário do país. O Centro e o Sul converteram-se, mesmo, na zona dos grandes senhorios da Igreja. Com efeito, eram bem extensos os domínios que bispos, mosteiros e ordens religiosas militares possuíam a sul do Mondego. Nas vertentes ocidentais da serra da Estrela estabeleceram-se os monges de Santa Cruz de Coimbra, o cabido e o bispo da cidade. Na Estremadura Central, os cistercienses de Alcobaça, mosteiro surgido entre 1148 e 1153, transformaram terrenos inóspitos em terras altamente produtivas. O núcleo do seu couto estendia-se da serra dos Candeeiros até ao mar, numa largura de
20 km. Entre as entidades religiosas de maior projecção económica, situavam-se as ordens religiosas militares, que, sobretudo no Sul, à medida que a Reconquista progredia, foram encarregadas da defesa da fronteira portuguesa com doações imensas. Os Templários estabeleceram-se na Beira Baixa e no Alto Alentejo. Em 1198, receberam perto de 100 km de extensão, em terras dos dois lados do Tejo! Também aqui dispunham os Hospitalários de domínios, embora mais modestos; a sua sede foi transferida de Leça para o Crato, no século XIV. Calatrava recebeu vastas doações na região de Évora e Avis, vindo os seus elementos a designar-se de «freires de Avis». Outra ordem foi Santiago da Espada, com enorme implantação dominial na planície alentejana, península de Setúbal, no Baixo Alentejo e no Algarve.


O EXERCÍCIO DO PODER SENHORIAL: PRIVILÉGIOS E IMUNIDADES

* Graus de nobreza

A origem do poder senhorial encontra-se no Norte atlântico e teve como protagonista a nobreza senhorial do Entre Douro e Minho.
No sangue (nascimento), no poder económico, na força das armas e na autoridade sobre os outros homens residiam as bases da superioridade social dos nobres. Nas suas fileiras encontramos, de início, os infanções, em quem os condes de Portucale delegaram funções públicas de governação de terras (unidades administrativas) e castelos. Foi com o apoio e a força dos infanções que o conde D. Henrique governou o Condado Portucalense e Afonso Henriques concretizou a sua independência e alargou o território.
De entre os infanções, destacaram-se cinco famílias que atingiram o topo da escala social no século XII, conforme nos elucida o Livro Velho de Linhagens. Foram as famílias da Maia, de Riba Douro, de Sousa, de Baião e de Bragança; a sua base territorial situava-se entre o Lima e o Douro, com extensões para a terra de Santa Maria e a região de Arouca. Passam, desde então, a integrar o grupo dos ricos-homens, espécie de alta nobreza que é chamada a intervir nos assuntos da corte. Os ricos-homens distinguiam-se pela posse de avultados domínios, onde exerciam a jurisdição e gozavam de isenções fiscais. Eram também conhecidos por «senhores de pendão e caldeira», em alusão aos séquitos militares que comandavam e sustentavam.
Em meados do século XIII, os ricos-homens constituíam o estrato dominante da sociedade portuguesa. Os infanções, que se lhes seguiam, viam já os seus poderes consideravelmente diminuídos; no século XIV, o termo infanção cairá mesmo em desuso, dando lugar ao de fidalgo. Outros graus de nobreza medieval eram preenchidos com os cavaleiros e escudeiros. Chamavam-se cavaleiros todos os que eram admitidos à ordem militar da Cavalaria; dedicavam-se à guerra e deviam cumprir um rigoroso código de honra e de cortesia. Em Portugal, como nos restantes rei- nos cristãos ibéricos, o estado permanente da guerra levou a que, na cavalaria, se misturassem indistintamente nobres com indivíduos oriundos dos estratos populares Ldoc.23-B1. Talvez por isso, o código de honra dos cavaleiros nem sempre fosse cumprido. Em momentos de crise social, como aqueles que Portugal viveu de
1220 a 1245, os cavaleiros foram deveras perturbadores, assaltando igrejas e mosteiros, viajantes e peregrinos.

Quanto aos escudeiros, tinham a particularidade de nem todos serem nobres. O escudeiro não fidalgo deveria acompanhar o seu cavaleiro, ajudá-lo a vestir as armas e combater na sua retaguarda.

* A natureza do poder senhorial

O poder senhorial caracterizava-se não tanto pela posse e exploração de terras mas, sobretudo, pelo exercício de funções militares, jurisdicionais e fiscais. Mais do que económica, a sua natureza foi política.
O poder senhorial corresponde, assim, ao poder banal (bannus) da Europa além-Pirenéus, que conferia aos senhores o comando, a punição, a coacção sobre os habitantes do senhorio. Trata-se de autênticos poderes públicos que, no nosso território, a nobreza senhorial obteve, na origem, por delegação da autoridade régia ou condal (como administradores de terras e castelos). Com o tempo, usurpou aqueles poderes, não prestando contas a quem lhos delegou, e, no cúmulo dos abusos, estendeu-os aos seus domínios pessoais e, inclusive, à propriedade livre (simples alódios ou, até, territórios de outros senhores).

O poder senhorial comportava vários privilégios. Baseava-se, em primeiro lugar, na posse das armas e no comando militar. No século XI, os infanções portucalenses tinham já os seus cavaleiros e peões armados, que lhes permitiam organizar expedições ofensivas e controlar fortificações em lugares estratégicos, assim como as respectivas populações.

Em segundo lugar, o poder senhorial fazia-se sentir na exigência de multas judiciais. Relacionavam-se com o exercício de justiça por parte do senhor.

Finalmente, o poder senhorial afirmava-se na cobrança de crescentes e arbitrárias exigências fiscais, entre as quais poderemos referir:
— as banalidades, pelo uso dos instrumentos de produção (forno, moinho e lagar) e sobre as actividades comerciais e os transportes (peagens e portagens);

— o jantar, dever de alimentar o senhor e o seu séquito;
— a lutuosa e a manaria, espécie de impostos de sucessão;
— as osas ou gaiosas, prestações pagas por quem casasse fora do domínio senhorial.
 
O poder senhorial converteu-se, pois, em factor de prestígio e de enriquecimento para infanções e ricos-homens, que, desde o século XI, assumiram os mecanismos do poder local na região do Norte atlântico. Com o avanço da Reconquista, o poder senhorial expandiu-se ao Centro e Sul de Portugal, em virtude da constituição de senhorios nobres e, sobretudo, de grandes senhorios da Igreja.
Referimos já que os senhorios da nobreza eram as honras, enquanto os eclesiásticos são conhecidos pelo nome de coutos. Ambos eram considerados territórios imunes, pois neles não entravam funcionários régios no desempenho das suas funções militares, judiciais e fiscais. Pelo contrário, conforme vimos, eram os senhores que exerciam esses poderes. A diferença entre uma honra e um couto deve-se ao modo como a imunidade foi conquistada. No caso dos coutos, foi através de uma carta de couto. Pelo facto de a maior parte das cartas de couto terem sido atribuídas à Igreja, couto tornou-se a expressão generalizada para designar os seus senhorios.
Embora muitos nobres também tivessem sido contemplados com cartas de couto, a verdade é que o seu património era maioritariamente constituído, e daí conhecido, por honras. A imunidade de uma honra resultava de o seu senhor ser um nobre que exercia os poderes públicos (por delegação, usurpação e herança, com o tempo) e que, por isso, «honrava» o respectivo território. Não admira pois que os senhores procurassem estender a imunidade aos seus simples domínios ou à propriedade livre (alódios), começando a exigir neles as exacções cobradas nas honras. Um dos processos utilizados para o efeito consistia em pôr o filho de um nobre na casa de um camponês, para ser «criado». Imediatamente a terra se considerava «honrada» pela presença, ainda que breve, do jovem nobre. Era o chamado amádigo, que deu lugar a abusos.

A EXPLORAÇÃO ECONÓMICA DO SENHORIO

Para além do poder senhorial, a propriedade de bens fundiários constituía outro dos sustentáculos das classes nobre e eclesiástica. Esses bens chamavam-se domínios senhoriais e, no caso do Norte atlântico, jamais adquiriram a extensão dos latifúndios de além-Pirenéus, quer devido à densidade populacional, quer à morfologia do solo. Resumiam-se, frequentemente, a um conjunto de parcelas territoriais dispersas, que dificilmente ultrapassavam os 600 ha de área, distribuídos por campos de cereais, vinhas, pomares, pastos, bosques.
Tomemos, como exemplo de exploração económica do senhorio, os domínios nobres do Norte atlântico. Tal como no Ocidente medieval, compreendiam uma reserva, conhecida por quintã, e as unidades de exploração arrendadas, que eram os casais. Ambas eram a fonte de direitos dominiais, provenientes da exploração do solo pela massa de camponeses. A quintã, também chamada de paço por nela se encontrar a morada do senhor, para além dos estábulos, celeiros e igreja, incluía uma porção diminuta de terras, o que nos prova o desinteresse da nossa nobreza pela administração directa dos seus domínios. Na verdade, os senhores preferiam o arrendamento das suas propriedades, divididas em casais ou vilares, que correspondiam aos mansos europeus; a área de cada casal, subdividido, por sua vez, em glebas, que podiam distar umas das outras, dificilmente ultrapassava a média de
10 ha. A exploração da quintã cabia aos escravos, servos e colonos livres dos casais que aí prestavam serviços gratuitos e obrigatórios durante um certo número de dias por ano: eram as jeiras. Em Portugal, esta forma de exigência jamais foi tão gravosa como as corveias de outras regiões da Europa, e nem sequer forneceu o essencial da mão-de-obra. Por sua vez, no âmbito da exploração dos casais, celebravam-se contratos entre os senhores e os colonos, também chamados de “caseiros”. Esses contratos podiam ser perpétuos, mas a tendência foi para o emprazamento, isto é, o arrendamento por duas ou três vidas. As rendas neles consignadas eram de dois tipos: fixas ou de parceria, correspondendo, neste último caso, a uma fracção das colheitas. Quanto aos domínios eclesiásticos, salienta-se o facto de a exploração económica ser aí mais rigorosa e o controlo senhorial mais absorvente. Nas suas granjas praticava-se, de preferência, a administração directa. E em bons pergaminhos se anotavam as rendas que cada casal devia pagar. Nos começos do século XIII, estava já instituído o pagamento da dízima à Igreja. Recaía em 10% de toda a produção bruta (agrícola, pecuária) e nem os rendimentos régios dele estavam isentos!

A SITUAÇÃO SOCIAL E ECONÓMICA DAS COMUNIDADES RURAIS DEPENDENTES

Nos seus domínios e senhorios (honras e coutos), a classe senhorial controlava uma multiplicidade de homens — os dependentes. Exigia-lhes tributos e prestações, que temos vindo a especificar: uns provenientes da exploração do solo (rendas e jeiras), os chamados direitos dominiais; outros resultantes do exercício do poder político, isto é, os verdadeiros direitos senhoriais. No século XIII, mais precisamente em 1211, uma lei de Afonso II afirmava que todo o homem livre devia depender de um senhor (nobre, clérigo ou o rei), a menos que já vivesse inserido num senhorio. Isto significou, antes de mais, que os herdadores, proprietários de terras alodiais, passaram a ser sujeitos a prestações senhoriais, como o jantar, a lutuosa, a ramada, a entroviscada, a anúduva, a «voz e coima», a «ossadeira». Prestações que eram pagas a um senhor ou ao rei. Existiu, pois, uma degradação do estatuto dos herdadores. Quanto aos colonos (chamados de foreiros, malados, vilãos), homens livres que trabalhavam em terra alheia, viram, desde o século XIII, os contratos a prazo prevalecerem sobre os arrendamentos perpétuos, misturando-se neles as prestações dominiais com novas imposições de cariz senhorial. A confusão entre domínio e senhorio era cada vez maior.
A sociedade senhorial comportava a existência de servos: eram os descendentes de escravos libertos, a quem foram entregues casais para exploração e que eram especialmente sobrecarregados com as jeiras. Deixaram de se distinguir dos colonos, no século XII, tanto mais quanto as jeiras também incidiram sobre estes.
Se a servidão regredia, a escravatura aumentava. Tal aconteceu desde a segunda metade do século XI, através do crescente afluxo de cativos mouros, empregues em trabalhos domésticos, no artesanato e até na agricultura. Restavam os assalariados (cabaneiros, moços de lavoura...), que viviam do aluguer do seu trabalho, demasiado na época das colheitas, escasso no Inverno. À semelhança dos caçadores, colmeeiros e pastores (sobreviventes de antigas formas de organização económica), achavam-se mal integrados na lógica do sistema senhorial.

O PAÍS URBANO E CONCELHIO – A MULTIPLICAÇÃO DE VILAS E CIDADES CONCELHIAS

O país rural e senhorial, nascido no Entre Douro e Minho, cedo se complementou com um país de cidades e vilas concelhias. Trata-se do país urbano e a sua pujança e protagonismo verificam-se do século XII em diante. Mas em que contexto as cidades e vilas irromperam e se desenvolveram em território português? Recuemos no tempo. Em 1064, Coimbra é definitivamente conquistada aos muçulmanos. Em 1075, a construção da catedral de Santiago de Compostela, onde se abrigava o túmulo do apóstolo, faz deste local um dos centros de devoção mais concorridos da Cristandade medieval. Tal significa que o espaço a norte do Mondego, que em breve fará parte do reino de Portugal, se vê sulcado de peregrinos e caminhos que demandam a cidade do noroeste da Galiza. Com tal movimento, é natural que os núcleos urbanos se revitalizem, readquirindo um dinamismo desconhecido há séculos, pelo estado de guerra então vivido. O Porto e Guimarães, por exemplo, saem beneficiados. Entretanto, a Reconquista prosseguia e, com ela, territórios de forte presença urbana, que o domínio muçulmano além de preservar soubera estimular, acrescentavam-se ao Norte tradicionalmente rural e senhorial. Referimos já a conquista de Coimbra; à cidade do Mondego juntavam-se, na segunda metade do século XII, Lisboa, Santarém e Évora como pólos estruturadores da futura evolução económica e política do reino de Portugal. Doravante, o Entre Douro e Minho ficará secundarizado face a um Centro e Sul que dele recebe excedentes demográficos, que herda os saberes artesanais e os contactos comerciais do mundo muçulmano, que valoriza as transacções monetárias e onde comunidades de homens livres, e não exclusivamente os senhores, tomam nas mãos o exercício do poder local. Eis um dos motivos por que Afonso Henriques transfere a capital de Guimarães para Coimbra. Libertava-se das exigências da fidalguia nortenha, que o pusera no trono e angariava apoios de estirpes menos nobres, é certo, mas, nem por isso menos gratas e ousadas.

A presença da corte, então verdadeiramente itinerante, nas cidades do Centro (Coimbra, Leiria) e Sul (Santarém, Lisboa, Évora) contribuiu, por seu turno, para a consolidação das estruturas urbanas do reino nos seus primeiros séculos de existência. Com o seu séquito de funcionários e letrados, a proliferação de serviços burocráticos e de forças militares, cada vez mais se distanciavam aqueles centros urbanos do país rural, face ao qual se sentiam mais poderosos e esclarecidos. Se a presença régia prestigiava uma urbe, não menor engrandecimento derivava das suas funções eclesiásticas. Referimo-nos, concretamente, às sedes de bispado, as únicas a merecerem a designação de cidades. Remontavam aos primeiros tempos de organização do Cristianismo na Península e, certamente, a sua reconquista e posterior restauro foram motivo de desmedido orgulho.
A urbanidade de uma povoação media-se, em grande parte, pelo seu grau de superintendência jurídica. A cidade e a vila concelhia dispunham, na verdade, de uma capacidade auto-administrativa, maior ou menor, que os monarcas e, às vezes, um senhor lhe concederam através de uma carta de foral. Num país que nasceu à sombra de castelos e igrejas, compreende-se o privilégio que representava a vida num concelho, onde as amarras senhoriais eram mais ténues ou praticamente inexistentes. Ele explica-se, especialmente, pela necessidade de atrair moradores a zonas que urgia defender e povoar: a Beira interior, a Estremadura, o Alentejo. Nestas regiões se situaram, predominantemente, os concelhos perfeitos ou urbanos, cuja organização analisaremos mais adiante.
O desenvolvimento urbano dependeu da proximidade dos eixos de comunicação, da facilidade dos transportes terrestres, do estabelecimento e dinamismo de uma rede comercial. Para alimentar a sua população e, em simultâneo, exportar as suas produções rurais e artesanais, a cidade deve inserir-se numa vasta rede de trocas. Ao surto urbano português não é, por conseguinte, estranho o ressurgimento comercial que o Ocidente medieval viveu a partir do século XII. Não é por acaso que as urbes de maior dimensão, como Guimarães, Porto, Coimbra, Santarém, Lisboa e Évora, se localizavam num eixo norte-sul paralelo à costa atlântica, com a qual facilmente comunicavam. Ao dinamismo dos seus mercadores se deve a concessão das respectivas cartas de foral.
* Concluindo:

Beneficiando das peregrinações a Santiago de Compostela, do avanço da Reconquista, da estância da corte régia, do restauro das sés episcopais, da criação de concelhos e do dinamismo comercial, Portugal recuperou, desde o século XII, uma fisionomia urbana.




A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO CITADINO

* Urbanismo cristão e urbanismo muçulmano
Embora os Romanos, com o seu espírito prático e organizador, nos tivessem legado cidades regulares construídas segundo o sistema em quadrícula, a verdade é que as urbes medievais portuguesas já nada revelavam do urbanismo latino. Sucessivas invasões e contributos civilizacionais de Godos e Muçulmanos, a construção desorganizada e os acidentes de terreno somaram-se, durante séculos, para conferir um fácies à cidade portuguesa que não a afastava muito das suas congéneres peninsulares. Assim, quer no nosso território quer na restante Ibéria, distinguia-se, em princípio, um urbanismo cristão, a norte, de um urbanismo muçulmano, mais nítido à medida que caminhamos para sul. Apesar de não faltarem no primeiro as ruas tortuosas e os becos sem saída, como em qualquer cidade medieval que se prezava, o facto é que a urbe cristã sempre dispunha de uma ou mais praças (um luxo nas densas e labirínticas cidades do sul!) e, de um modo geral, irradiava a partir de um centro, enquanto a cidade muçulmana se distribuía pela alcáçova, reservada aos dirigentes, e pela almedina, a zona popular. De fundação cristã ou de influência muçulmana, há, no entanto, traços comuns no urbanismo medieval, tanto mais quanto os contactos económicos e culturais não escasseavam, mesmo quando os dois mundos ferozmente se digladiavam; e tanto mais também quanto, à medida que a Reconquista progredia, a integração das diferenças se processava.

* O espaço amuralhado

Antes de mais, a cidade medieval portuguesa, como as suas irmãs peninsulares ou os burgos europeus, destacava-se na paisagem por estar envolta numa cintura de muralhas. De maior ou menor perímetro, com as suas ameias e os seus cubelos, a muralha delimitava o espaço urbano, dava-lhe segurança e proventos (pelas inúmeras taxas pagas nas suas portas e postigos), além de embelezá-la! Com indisfarçável orgulho, os citadinos gravavam, nos seus selos concelhios, as muralhas, qual símbolo do poder e autonomia.
Desde o século XIII, o crescimento demográfico do reino e as movimentações populacionais estiveram na origem de reestruturações urbanísticas de vulto. As obras iniciaram-se ainda com D. Dinis, prosseguiram com D. Afonso V e terminaram no reinado de D. Fernando, que passou à História como o monarca construtor de cercas por excelência. Muitos dos antigos arrabaldes (bairros extra-muros) bem como zonas rurais ficaram, então, incluídos nas novas cinturas de muralhas e não tardaram a encher-se de construções e habitantes.

Toda a cidade medieval comportava uma zona nobre, um centro, que se distinguia do restante espaço. E dizemos nobre, não porque nele habitassem os aristocratas de sangue — que, aliás, sofriam de várias limitações para construir casas na cidade —, mas porque nele se situavam os edifícios do poder e moravam as elites locais. Referimo-nos ao castelo ou à torre de menagem do alcaide, à Sé ou igreja principal, ao paço episcopal, aos paços do concelho, às moradias dos mercadores e mesteirais abastados. São edifícios altivos, de robusta pedra que desafia os tempos. Não longe deles estava o mercado principal numa praça ou rossio, se bem que muitos outros mercados proliferassem no interior da cidade medieval. Fora daquele centro, que hoje nos chocaria pelo amontoado das construções e pela falta de espaço que, por certo, impediria uma boa panorâmica da catedral, a cidade espraiava-se numa desordem total. Só no reinado de D. Dinis se abriram ruas para servirem de eixo ordenador do espaço urbano. Mais largas que o habitual iam directamente de um ponto ao outro da cidade, ligando duas das suas portas. Chamavam-se ruas direitas e, tal como as ruas novas surgidas desde o século XII, enchiam de satisfação os citadinos, que aí abriam as suas melhores oficinas, lojas e estalagens. Tudo o mais eram ruas secundárias, autênticas vielas para os nossos padrões, fétidas, escuras e poeirentas, raramente calcetadas, onde os despejos se faziam a céu aberto, cães e porcos focinhavam e mil perigos espreitavam. Nelas se distribuíam as habitações populares, as oficinas dos mesteirais, as tendas para a venda dos produtos e, até, albergarias e hospitais, que acolhiam peregrinos, pobres e doentes. Uma curiosa compartimentação sócio-profissional levava a que os ofícios se agrupassem em ruas específicas, que a toponímia viria a perpetuar. Donde os curiosos nomes das ruas dos Sapateiros, Correeiros, Pelames, Caldeireiros, do Ouro, da Bainharia ou dos Mercadores. Facilitava-se, desse modo, a aquisição da matérias-primas, a aprendizagem das técnicas, a comercialização de bens. Não faltavam, na cidade medieval portuguesa, as minorias étnico-religiosas: os judeus e claro, por razões históricas, os mouros submetidos. Muitos dos judeus eram mesteirais (ourives, alfaiates, sapateiros), mas houve-os também médicos, astrónomos, cobradores de rendas. Mais letrados que o comum dos cristãos (as discussões teológicas, na sinagoga que também era escola, a tal os predispunha), mais abastados, dados à usura e ao negócio, embora os humildes não faltassem, os judeus viviam em bairros próprios, as judiarias, com os seus funcionários, juízes e hierarquia religiosa. Durante séculos, e apesar do antagonismo religioso e de pontuais invejas motivadas pela sua superioridade económica e intelectual, a sociedade portuguesa tolerou os judeus e as cidades, como vimos, albergaram-nos dentro de muros. Um grupo numeroso de judeus era, aliás, entendido como símbolo de dinamismo económico do burgo.

Em finais do século XV, a convivência entre os dois credos romper-se-ia Referimo-nos ao momento em que um edicto de D. Manuel obrigou os judeus à conversão, sob pena de expulsão. Quanto à comunidade mourisca, não foi senhora de uma abastança comparável à dos judeus. A opinião pública fixou a máxima do «trabalhar que nem um mouro» sinal da condição inferior dos islâmicos. Mas nem por isso os cristãos deixaram de os recear: relegaram-nos, também, para bairros próprios — as mourarias—, que fizeram situar no arrabalde.

  • O arrabalde

Localizado fora de muros, o arrabalde acabou por se transformar num prolongamento da cidade. Nele se encontravam as hortas, tantas vezes designadas de almuinhas (palavra de origem árabe), que, juntamente com os ofícios poluentes (pelames ou curtumes), estavam próximos de cursos de água. Os ferreiros eram outro grupo de mesteirais que, frequentemente, se fixava nos arrabaldes. A fuligem e o barulho ensurdecedor que saía dos seus martelos e bigornas tornava-os tão indesejáveis, no espaço intra-muros, quanto os surradores e os carniceiros. Outros, como os carpinteiros e calafates navais do Porto, desceram as escarpas da sua acidentada cidade, vindo fixar-se à beira-rio onde deram origem ao próspero arrabalde de Miragaia. Para muitos mesteirais e mercadores, o arrabalde constituía um local privilegiado. Instalando as suas oficinas e lojas nas vias que conduziam às portas da cidade, eram naturalmente os primeiros a abastecerem os que dela saíam e os que nela entravam. No arrabalde semanalmente, tinha lugar um bem fornecido mercado, onde citadinos e aldeãos se cruzavam. Nem sequer animação lá faltava: aos habituais malabaristas e saltimbancos vinham juntar-se, por vezes, as touradas. Contudo, um certo ar de marginalidade rodeava o arrabalde. Não só as actividades menos limpas para ele eram remetidas. Os pedintes e os leprosos, esses párias que a sociedade medieval hostilizava, confinavam-se ao seu espaço. Eis o motivo por que as ordens mendicantes se instalaram nos arrabaldes desde o século XIII. Atraídos pelo mundo da pobreza e da exclusão, Franciscanos e Dominicanos desempenharam com êxito a sua missão de assistência e protecção aos humildes e desenraizados.

* O termo

Para além do arrabalde, espraiava-se o termo, espaço circundante de olivais, vinhas ou searas e aldeias várias incluídas. Sem o termo a cidade medieval não poderia viver. Nele exercia a jurisdição e o domínio fiscal; nele impunha obrigações militares. A tal dava direito a autonomia das cidades e vilas concelhias... Semanalmente, os aldeões do termo acorriam ao mercado que se realizava junto às portas da cidade. Traziam os indispensáveis produtos da terra; no fim das vendas, não partiriam, certamente, sem antes transporem a muralha e adquirirem nas lojas uma peça de pano, calçado ou as alfaias agrícolas de que estavam necessitados. Tal era o prestígio e a abastança oriundos da posse do termo que os monarcas o alargavam ou encurtavam se desejassem agraciar ou castigar as cidades! Foi o que aconteceu na Revolução de 1383-85, em que vilas como Santarém, por seguirem o partido de D.
Beatriz, viram o seu termo reduzido. Já o Porto, que tudo dera à causa do Mestre de Avis, receberia de presente Gaia, Vila Nova, Azurara e Mindelo.

O EXERCÍCIO COMUNITÁRIO DE PODERES CONCELHIOS; A AFIRMAÇÃO POLÍTICA DAS ELITES URBANAS

Já referimos como a necessidade de repovoar o interior e o sul do país, obtendo simultaneamente a ajuda militar das populações, levou monarcas e senhores a reconhecerem a autonomia político-administrativa de parcelas do território. Trata-se dos concelhos, comunidades de homens livres, cujos privilégios e obrigações ficaram consignados nas cartas de foral. Durante os séculos XII e XIII concederam-se forais à maior parte das cidades e grandes aldeias; frequentemente, limitavam-se a sancionar formas embrionárias de organização local e tradições de autonomia existentes no Sul muçulmano. Referimo-nos, concretamente, às liberdades que, nas cidades islâmicas, costumavam ser concedidas às comunidades cristã (moçárabe e judaica). O número mais significativo de concelhos, sobretudo daqueles que lograram maiores capacidades de gestão governativa, situava-se nas regiões fronteiriças das Beiras, na Estremadura e no Alentejo. Eram os chamados concelhos urbanos ou perfeitos. Compreendiam a cidade propriamente dita, ou vila, sedes do concelho, cuja área de influência jurisdicional — o termo — incluía aldeias e uma vasta população rural. Chamavam-se vizinhos a todos os homens livres, maiores de idade, que habitavam a área concelhia há um certo tempo e que nela trabalhavam ou eram proprietários. Deles estavam excluídos os nobres e os clérigos, a não ser que se submetessem às leis comuns e abdicassem dos seus privilégios. O mesmo acontecia com as mulheres — excepção feita às viúvas —, os judeus, os mouros, os estrangeiros e, naturalmente, os servos e escravos. Aos vizinhos competia a administração do concelho. Revestia o carácter de uma administração comunitária, distinta da do senhorio que pertencia a um único titular. Para o efeito, os vizinhos integravam a assembleia (concilium), que era o grande órgão deliberativo do concelho. Conhecidas por posturas municipais, as decisões da assembleia dos vizinhos regulamentavam questões económicas relacionadas com a distribuição de terras, o aproveitamento dos pastos e dos bosques, o exercício dos mesteres, o abastecimento dos preços, não descurando, também, os preceitos de higiene, a manutenção da concórdia e dos bons costumes entre os habitantes. Mas as competências mais significativas do concelho, precisamente aquelas que distinguiam um município perfeito de outro imperfeito, eram as que se relacionavam com a administração da justiça e a eleição dos magistrados. Fixemos seus nomes e funções. Os alcaides ou juízes (dois ou quatro), também chamados de alvazis, eram os supremos dirigentes da comunidade. Os almotacés (doze no século XIII) estavam encarregados da vigilância das actividades económicas (mercados, preços e medidas), da sanidade e das obras públicas. O procurador exercia o cargo de tesoureiro e representava externamente o concelho. Quanto ao chanceler, competia-lhe guardar o selo e a bandeira do concelho. A estes magistrados acrescentavam-se, desde 1340, os vereadores (dois a seis), nomeados pelo rei de entre os vizinhos. Possuíam vastas competências legislativas e executivas, vindo a sobrepor-se, inclusivamente, à assembleia dos vizinhos e aos restantes magistrados. Alcaides, almotacés, procuradores ou vereadores, todos os magistrados pertenciam à elite social do concelho, sendo comummente chamados de homens-bons. Eram proprietários rurais e donos de razoáveis cabeças de gado nas terras do interior; já nas cidades do litoral, as suas fortunas provinham, maioritariamente, do comércio. Até ao século XIII desempenharam um papel fundamental na Reconquista e defesa do território a sul do Mondego. Por isso, a realeza os agraciara ao fazê-los cavaleiros-vilãos. Serviam na guerra a cavalo, com as suas armas de ferro e os seus séquitos de peões. Mereciam um tratamento judicial reservado aos infanções, não podendo receber açoites. Do ponto de vista fiscal, estavam isentos do pagamento da jugada e dispensados de fornecer a pousadia. Ao protagonismo social, derivado das suas riquezas e dos privilégios alcançados, os homens-bons somavam a preeminência política, já que monopolizavam os cargos e as magistraturas do concelho. Evitavam a todo o custo a participação dos nobres e dos próprios mesteirais nas vereações camarárias. Até na composição da assembleia dos vizinhos, os homens-bons se impuseram, excluindo os peões, menos favorecidos economicamente. É verdade que estes não possuíam a abastança e a disponibilidade necessárias para se deslocarem às reuniões na cidade ou vila. Mas, é verdade também, os homens-bons invocavam o pretexto de um elevado número de pessoas tornarem as reuniões conflituosas e inoperantes!


sábado, 22 de janeiro de 2011

Matriz do Teste de Fevereiro


GRUPO I

Conhecem os factores de unidade e de diversidade na Europa dos séculos XI a XIII;
Questões/Cotações
 1 - 30
 2 - 30

GRUPO II
  •  Relacionam o desenvolvimento económico com as trocas comerciais na Europa Ocidental no século XIII;
  • Explicam que relações se estabeleceram entre o mundo rural e o mundo urbano depois do desenvolvimento das cidades; Relacionam o desenvolvimento económico com as trocas comerciais na Europa Ocidental no século XIII;
  • Explicam que relações se estabeleceram entre o mundo rural e o mundo urbano depois do desenvolvimento das cidades;
  •  Identificam os factores da crise do século XIV.
Questões/Cotações
         3 - 30
         4 - 30
         5 - 30
         6 - 50

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

A Identidade Civilizacional da Europa Ocidental I

 
Poderes e Crenças – Multiplicidade e Unidade



Até ao século XIII, formam-se três conjuntos civilizacionais que rodeiam as margens do Mediterrâneo:

A Cristandade Latina, no ocidente da Europa e oriunda do império romano do ocidente e dos reinos bárbaros que lhe sucederam. A mistura dos povos bárbaros com a sociedade de origem romana, resulta uma síntese entre elementos romanos e germânicos muito interessante, escolhendo o cristianismo como religião principal emergindo a civilização europeia cristã.

O Império Bizantino a oriente proveniente do império romano do oriente. A imigração dos povos eslavos provocou a cisão entre o mundo ocidental e oriental. As duas igrejas cristãs, a de origem ocidental e a oriental separam-se ainda mais.

O Islão, nascido na arábia no século VII, se estendeu pela margem sul do Mediterrâneo, ocupando o Norte de África e a Península Ibérica e para o leste do Indo. Estas conquistas proporcionaram aos muçulmanos vastas áreas de comércio e rotas caravaneiras da seda, as rotas do Indico e a rota fluvial do Nilo.


Uma Geografia Política Diversificada

Os povos germânicos que invadiram a Europa no século V instalaram-se nos territórios do império romano ocidental e aí estabeleceram os seus reino. No entanto, as lutas internas provocaram instabilidade política. A partir do século VII, as aristocracias entretanto formadas, fundam vários reinos em toda a Europa ocidental.

A França

A França é pacificada quando os carolíngios conquistam o poder.
Com Pepino o Breve, e sobretudo com Carlos Magno o reino dos francos é totalmente submetido a um poder central e dotado de uma administração eficiente.
Carlos magno conquista um território que compreende toda a Gália (França), parte da Germânia e a Itália até à planície do Tibre. (Holanda, Bélgica, França, Alemanha, Áustria e Itália).
O sucesso da sua política de conquista deveu-se sobretudo à superioridade dos seus exércitos, a cavalaria armada com boas espadas, a estratégia dos seus ataques e a sua diplomacia.
A segunda unidade política surge na passagem do século VIII para o século IX, quando o papa lhe concede a coroa de Imperador. Foi esta aliança com a Igreja e o espírito de cruzada que lhe valeram muito do apoio conseguido por esta instituição.

Características económicas entre os séculos IX a XI na Europa Ocidental


O aumento demográfico devido à diminuição das invasões e ao recuo das pestes, provocam por seu turno um desequilíbrio com as subsistências que têm tendência a diminuir devido:
Escassez de áreas ocupadas / cultivadas;
Mau equipamento agrícola; a maior parte dos instrumentos agrícolas são em madeira;
O arado mais difundido é ineficiente no trabalho do solo (apesar de não exigir a presença do animal de tracção), ao contrário da charrua mais rara, e à disposição de algumas casas senhoriais.
As áreas ocupadas são reduzidas e estão cansadas devido à contínua ocupação do solo;
Há falta de equipamento técnico para o desbravamento da floresta e drenagem dos pântanos – Arroteamentos;
A área de floresta é predominante na Europa, constituindo, no entanto, um importante recurso – caça, pesca, lenha etc;
As áreas agrícolas são pouco férteis, não estrumadas pois são cercadas para evitar a entrada do gado.

O Domínio Senhorial
O domínio senhorial é uma grande exploração agrícola pertencente a um senhor laico ou eclesiástico, pode ser constituída por uma propriedade contínua ou dispersa que se torna mais difícil de administrar e explorar. É constituído pela:

Reserva – parcela de terreno mais ou menos extensa, nos arredores do paço, administrada directamente pelo senhor e que inclui a horta, a vinha e os pomares. Esta propriedade é para uso exclusivo do senhor tornando-o quase auto-suficiente.

Paço – local onde habita o senhor, normalmente de grandes dimensões, construída em pedra;

Os meios de produção oficinas, moinhos, adega, lagar, forno...

Mansos – de origem servil ou livre, terra exploradas indirectamente pelo senhor no senhorio.

Os mansos servis: Os servos são homens e mulheres não livres, por nascimento ou recomendação, que trabalham para o senhor em troca do seu sustento podendo ser vendidos com a terra. Para evitar o seu sustento o senhor podia atribuir a uma família de servos ou a várias, uma parcela de terra – o manso – que exploravam, pagando renda ao senhor.

Os mansos livres: em idênticas condições, entregues a homens livres, eram normalmente de maior dimensão mas as rendas eram idênticas com prestações suplementares em algumas épocas do ano.

As Rendas

As rendas podiam ser efectuadas em dinheiro (entre os séculos IX e XI era simbólica devido à escassez de moeda), em géneros, parte da produção podendo atingir 2/3 das mesmas e maioritariamente em cereais. Existia ainda uma parcela da renda que era paga em dias de trabalho não remunerado na reserva do senhor – as corveias – e que constituía a parcela da renda mais onerosa para o camponês, retirando-lhe tempo de trabalho no manso.

O senhor exigia igualmente prestações suplementares em épocas especiais do ano como o Natal e a Páscoa, estas representavam pagamentos em ovos, aves, gado miúdo.

Finalmente os camponeses pagavam ainda as banalidades, ou seja compensações ao senhor pela utilização dos meios de produção – moinhos, forno, lagar, adega, instrumentos agrícolas mais sofisticados. (…)


As Comunas

Devido ao clima de paz e prosperidade que se vive na Europa a partir do século XI, a cidade reanima-se e renova-se, e aceita mal o domínio que alguns senhores procuram estabelecer, sobretudo se os seus domínios ocupavam zonas de burgo, onde eram aplicados pesados impostos, entraves ao desenvolvimento do próprio local.

Deste modo, iniciam-se lutas pela liberdade citadina, que começa nas cidades italianas e que rapidamente se espalha por toda a Europa, dando origem a uniões de habitantes que lutam pelos seus direitos – as comunas.

Estas lutas, muitas delas violentas deram origem à redacção das cartas comunais, ou seja, um documento onde estavam consignados os direitos e os deveres dos habitantes das cidades relativamente aos senhores

No norte da Europa, as cidades eram governadas por conselhos de burgueses muito ricos, que zelavam pelas cidades não só económica mas politicamente. Esta independência relativamente aos senhores ou mesmo ao poder central conduziu à independência de territórios que viriam a ser centros de poder económico e político em toda a Europa.